
Caminhava na avenida, em frente a um fórum, de onde saem advogadas que desafiam as calçadas esburacadas com saltos altíssimos, quando ele apareceu. Nunca antes na história deste blog eu havia visto um rato. Até já tomei vacina contra as doenças que ele transmite, dada minha fama de caçadora.
Mickey saiu de um bueiro, meio atordoado, subiu na calçada quente e correu. Cinza, pequeno e apavorado por tantos sapatos e gritos ao redor. Corria olhando para frente, sem mexer com ninguém, mas já incomodando a todos. Só por existir. Só por ser um rato.
Meu focinho virou-se, eu queria ir atrás. Queria cheirar, correr também e então puxei fortemente a guia. No que virei, vi um moço que vinha na direção contrária do Mickey, que continuava correndo, focado. O moço, vestido com um terno que devia estar fedido naquele calorão, mirou o rato com precisão, calculou o tempo e deu-lhe um chute. Pegou de lado, quase na cabeça. Mickey perdeu o rumo, foi lançado por um metro, caiu no asfalto quente, rolou, esfolou-se todo, e, ainda atordoado sem entender o que acontecera, achou o caminho do bueiro, todo machucado.
Sei que transmite doenças, sei que ninguém os quer por perto. Mas, naquele momento, fiquei com pena do rato. O chute não serviu para acabar com os ratos do mundo, com doenças, com nada. Serviu para o moço, fedido e corajoso, fazer-se de herói, e, gratuitamente, causar sofrimento ao Mickey, que levou uma bica, só por ser um rato.